“A população de menor renda passou a utilizar mais o carro para realizar suas viagens na Grande São Paulo. Na outra ponta, famílias com renda mais alta estão usando mais o transporte público.”
Começa assim um artigo de Jurandir Fernandes, secretário estadual dos Transportes Metropolitanos de São Paulo, publicado na Folha de SP de segunda-feira passada (10). O artigo anunciava os resultados da Pesquisa de Mobilidade realizada pelo Metrô de São Paulo referente ao ano de 2012. Em seu artigo, Jurandir conclui: “O comportamento das classes mais altas segue uma tendência mundial de cada vez mais se libertar do transporte individual para realizar as viagens de ida e de volta ao trabalho. Nos grandes centros urbanos, os carros são incompatíveis com a qualidade de vida.”
A Folha de SP, em editorial sobre a mesma pesquisa, preferiu enxergar os dados por outro ângulo: “De acordo com o levantamento, verificou-se de 2007 a 2012 um acréscimo de 21% no total de deslocamentos feitos com carros, motos e táxis. No mesmo período, as viagens realizadas em ônibus, trens e metrô aumentaram 16%.” Em resumo, como conclui a própria Folha, “o descompasso evidencia o menor apelo do sistema público de transporte, mas também reflete o crescimento da capacidade de consumo de setores de baixa renda e as vantagens tributárias concedidas à indústria automotiva.”
O Engenheiro Adriano Branco, em artigo em nosso site, resume com perplexidade os resultados da pesquisa: “A expectativa era de que o forte incremento do transporte público reduzisse a expansão automobilística… o transporte individual cresceu 21% (!) e a Taxa de Motorização elevou-se em 18%”.
Não era para ser diferente no país que se tornou o paraíso para a indústria automobilística mundial: somos hoje o quarto maior mercado consumidor de automóveis novos do planeta.
O presidente da Anfavea, Luiz Moan, em entrevista para a Folha de SP, assevera que a relação de carro por habitante no Brasil ainda é baixa quando comparada a de outros países, como os EUA, Japão e até a Argentina. “É preciso pensar no uso racional do automóvel, integrando-o a outros meios de transporte”, diz ele.
Tudo, é claro, para concluir que o automóvel não é o vilão da mobilidade urbana, mas, sim, a falta de planejamento das autoridades. Para depois, timidamente, reconhecer parcela ínfima de culpa ao afirmar: “até admito que falta ação da Anfavea no sentido de informar melhor sobre o assunto”. Corrigindo: as montadoras não se preocupam com a questão, esta é a verdade. E ao invés de demônio, insistem na figura divina e celestial do santo automóvel. Os problemas? Estes são das autoridades…
Que a culpa pelo desastre do transporte coletivo é uma obra de destruição coletiva, disto não resta dúvida. A tal ponto que as montadoras, que hoje recusam a pecha de demônios para os veículos que fabricam, fazem questão de esquecer a ação deletéria que realizaram para demonizar o transporte coletivo quando precisavam ganhar mercado, e faturar lucros. A história está aí: nos Estados Unidos, a General Motors patrocinou a retirada dos bondes no país inteiro, tendo sido processada por isso. (veja o vídeo Taken For a Ride – GNT Especial 21/05/1998).
O resultado? Eduardo Vasconcellos, em seu livro ‘Políticas de transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente’, descreve o tratamento dado ao transporte público “como forma de deslocamento de segunda classe”. Eduardo chama essa atitude histórica de “pedagogia negativa”, aplicada para desvalorizar o transporte público frente à sociedade. “A precariedade constante dos serviços criou uma imagem negativa do ônibus e de alguns sistemas sobre trilhos que depois se consolidou como cultura. A sociedade foi ensinada a desgostar do transporte público e passou a vê-lo como um ‘mal necessário’ enquanto não é possível mudar para o automóvel ou a motocicleta”, descreve Eduardo.
Nesta semana um fato veio corroborar a ação desta “pedagogia negativa”: a atriz Lucélia Santos protagonizou cenas de deboche nas redes sociais ao ser flagrada viajando de pé num ônibus lotado. A conclusão? A atriz, que não aparece já há alguns anos na telinha da TV, estaria pobre, condição exclusiva dos que pegam ônibus.
A conclusão do secretário Jurandir Fernandes, de que o comportamento das classes mais altas estaria seguindo a tendência mundial de libertação do transporte individual, é a boa notícia da semana. A péssima notícia fica pelo o que aconteceu com a atriz Lucélia Santos. O que deveria fazer as montadoras (Anfavea e as demais que estão aqui aportando) a pensarem mais sobre o seu verdadeiro papel na formação do imaginário coletivo.
Fonte: antp.org.br
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