O consumo de etanol em larga escala em ônibus e caminhões pode ajudar a reduzir a poluição nas grandes cidades, como São Paulo. O efeito é o aumento da expectativa de vida da população. O biocombustível emite 90% menos CO2 que o diesel.
Até hoje mais conhecido nos carros de passeio, o uso de etanol em grande escala nas cidades brasileiras começa a migrar para outros tipos de veículos. Os dois maiores fabricantes de motocicletas do país já incluíram a tecnologia flex em seus motores. Pouca gente sabe que aviões para uso agrícola também utilizam o combustível de cana no Brasil. O desafio agora é dar escala a um novo projeto: o etanol em caminhões e ônibus, responsáveis por emitir os poluentes mais nocivos à saúde humana nas grandes cidades.
No contexto atual, o uso de etanol serve não apenas de arma no combate à poluição nas grandes cidades como também é uma ferramenta eficaz para reduzir a importação de derivados de petróleo e, indiretamente, a inflação.
No mercado de caminhões e ônibus, a barreira que a indústria busca transpor é o preço da tecnologia. Um motor a etanol pode custar de 8% a 12% mais que um convencional. No entanto, considerando o valor ambiental, ele é imbatível ao reduzir em 90% a emissão de CO2, diz André de Oliveira, gerente de sistemas de ônibus da Scania, empresa sueca pioneira nesse tipo de motor.
O que se busca agora é a viabilidade econômica. Um caminhão a etanol ainda “rende” de 50% a 60% menos que o mesmo modelo movido a diesel. Na busca por mitigar esse problema, a alemã MAN Latin América lançou em 2012 o protótipo de um caminhão movido a uma mistura de 55% de etanol no diesel. Mas ainda não há previsão de lançamento no Brasil.
Há, ainda, novos mercados para o etanol ainda não dimensionados, como o das máquinas agrícolas. Há anos há registros, nas usinas de cana-de-açúcar de tratores e colheitadeiras que funcionam à base do chamado “rabo de galo”, nome popular para a prática de misturar de maneira informal etanol e diesel. Há pouco tempo, no entanto, algumas companhias resolveram fazer experimentos oficiais. É o caso da usina São Martinho, de Pradópolis (SP), que há cinco anos realiza testes com tratores e colheitadeiras em parceria com as fabricantes de máquinas.
Foi também a constatação da frequência da prática do “rabo de galo” que motivou as fabricantes de motocicletas a desenvolver motores flex exclusivamente para o mercado brasileiro. Honda e Yamaha anunciaram lançamentos de versões de motos flex em 2009 e 2012, respectivamente, após identificar que os usuários já tinham o hábito de fazer a mistura informal de 50% de etanol no tanque das motos à gasolina.
Grande parte desses movimentos da indústria teve impulso após um marco histórico, ocorrido em 2005. Foi quando pela primeira vez a venda de carros flex superou a de veículos movidos exclusivamente à gasolina. Foi o primeiro forte sinal de que o Brasil, de fato, se consolidaria como um grande “case” mundial.
A diversificação de motores movidos a etanol pode mudar o padrão de qualidade do ar das grandes cidades brasileiras. Somente com a substituição de 100% da frota de ônibus do transporte público da cidade de São Paulo por motores movidos a etanol já haveria uma queda anual de mortes de 4,2% (redução de 750 óbitos por ano), segundo estudo feito pelo Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental (LPAE), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Representaria ainda uma economia de US$ 134 milhões anuais, valor que reflete as perdas relacionadas ao efeito dessa poluição na população, como custos de atendimento médico, morte prematura, afastamento do trabalho por doenças etc.
O maior impacto na saúde está diretamente relacionado ao material particulado fino, emitido principalmente, por caminhões e ônibus, explica o pesquisador do LPAE, Paulo Afonso de André. “O efeito da poluição é melhor medido na expectativa de vida da população. Se considerado apenas a variável poluição do ar, os moradores da cidade de São Paulo (maior poluição do país) têm expectativa de vida três anos e meio menor que o habitante de Curitiba (menor poluição entre as capitais do país)”, diz o pesquisador da USP.
Por lei, até 2018 todos os ônibus da cidade de São Paulo terão de rodar com biocombustíveis. No entanto, a legislação não obriga que essa migração seja para motores a etanol. Dos 15 mil ônibus que hoje circulam diariamente na capital paulista, apenas 60 são movidos a esse biocombustível.
Toda a frota paulistana de ônibus consome, por ano, 377 milhões de litros de combustível, segundo a SP Trans, empresa que gerencia o transporte público no município. Desse total, 10 milhões de litros são de combustíveis limpos, sendo apenas 3,3 milhões de litros de etanol.
Os ônibus paulistanos usam ainda 885 mil litros de diesel de cana-de-açúcar, que é misturado ao diesel na proporção de 10%. Esse diesel verde, desenvolvido pela empresa americana de biotecnologia Amyris, começa a ganhar contornos mais reais neste ano. O diesel de cana – cujo processo usa uma levedura geneticamente modificada para atuar na fermentação do caldo da cana – entrou em fase industrial neste ano, com o início das operações da fábrica de Brotas (SP), projetada para produzir 50 milhões de litros/ano em parceria com a usina Paraíso.
No ano passado, 160 ônibus em São Paulo entraram em circulação com a mistura de diesel convencional e 10% de diesel de cana. Neste ano, já são 295, diz Adilson Liebsch, diretor de combustíveis da Amyris Brasil. “Está sendo finalizado um projeto para o qual vamos fornecer esse diesel para abastecer 20 ônibus, com mistura de 30% “, diz o executivo, que está em tratativas com outras capitais.
O desafio agora é como a produção no campo vai crescer nos próximos anos para atender a tantas novas demandas pelos produto da cana-de-açúcar. A SCA Trading, uma das maiores tradings de etanol do país, projeta que se 40% da frota flex (carros e motos) do país fosse abastecida com etanol a partir de 2013, o consumo atingiria por volta de 37 bilhões de litros de hidratado em 2020, quatro vezes mais que o consumo atual (9,8 bilhões de litros). A meta só seria alcançada com a construção de mais 80 usinas de cana-de-açúcar. O número considera algumas premissas, entre elas a de que o crescimento anual do mercado automobilístico será de 5% até 2020 e a exportação de etanol, de 10%. Desse modo, os próximos anos é que vão dizer se o exemplo brasileiro será, de fato, uma referência mundial na busca por energia limpa.
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Fonte: antp.org.br